domingo, 13 de janeiro de 2013

Rubem Braga - 100 anos

De: "Domingueira" <domingueirapoetica@gmail.com>
Data: 13/01/2013 00:11
Assunto: Rubem Braga - 100 anos
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Prezadas/os

Bom dia!

Minha inspiração para essa domingueira veio em cima da hora. Ontem, sábado,  navegando pela rede descobri que fazia 100 anos do nascimento de Rubem Braga - e hoje faz 82 da morte de James Joyce. Optei pelo consagrado autor nacional.

Hoje em dia é facílimo encontrar a biografia da qualquer pessoa na Internet. Biografias estas recheadas de um formalismo acadêmico, repetitivo e seco que as permitem serem corte-coladas (Ctrl+c, Ctrf+v) e utlilizadas, mais tarde, até obituário. 

Insisti em procurar  algo mais original e que agradasse ao Povo da Domingueira sobre  quem foi o "Sabiá das Crônicas", apelido cunhado pelo genial Stanislaw Ponte-Preta. 

E eis que achei no "Almanaque Brasil", o delicioso texto abaixo escrito por Danilo Ribeiro Gallucci.

O Sabiá da crônica

Transformou a crônica em um legítimo gênero literário. Em Ipanema, do alto de seu jardim suspenso, desafiou militares e dividiu espaço com pássaros, árvores, flores e os maiores escritores de seu tempo. Para Alberto Helena Jr., seu texto enxuto era como um canto, "tocante, sobretudo, quando falava do seu assunto preferido - a falta de assunto"

Na "cidade secreta do mundo", Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, nasce Rubem Braga. Era 12 de janeiro de 1913. Cedo se revela introspectivo e vaidoso. Exímio caçador de passarinhos e desenvolto meia-esquerda nas peladas, seu passatempo favorito era, porém, submergir a cabeça das coleguinhas na água. Um peste.

Passa as férias nas fazendas do avô. Tem problemas na sala de aula: sua primeira viagem é para Vitória, para prestar "segunda época". No mesmo ano, um professor chama-o de burro. Irado, sai do colégio onde deixara escritos seus primeiros textos. Aos 15 anos, publica as primeiras crônicas no jornal Correio do Sul. Vai estudar em Niterói. Em 1929, ingressa na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, que conclui em Minas Gerais.

Em 1932, sua primeira reportagem. Nada grandiosa: sobre uma exposição de cães. A estreia contrasta com o excesso de aventura de cobrir a Revolução Constitucionalista de 1932. Acaba preso, acusado de espionagem.

Tempos depois, procura Assis Chateaubriand: "Quero ser repórter de seu jornal". Ingressa no Diário de São Paulo, onde conhece Alcântara Machado e Mário de Andrade. Em 1935, perambula por diversos jornais, de Porto Alegre a Recife, onde funda a Folha do Povo. Perseguido pelo governo, relata o período na crônica Diários de um Subversivo: "Enquanto o povo está discutindo futebol, o comunismo está tramando golpes sangrentos. Lenine disse que a religião é o ópio do povo. O futebol é, digamos, uma espécie de maconha."


Carambolas e pitangas

De volta ao Rio, o jornal A Manhã, para o qual trabalhava, convoca a população à luta armada. O governo fecha o periódico e Braga perde o emprego. Abordado por policiais à sua procura, mostra uma carteirinha falsificada do Flamengo, safando-se do flagra.

Em 1936, lança o primeiro livro, O Conde e o Passarinho - uma seleção de crônicas publicadas em jornais. "Sempre escrevi para ser publicado no dia seguinte. Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento."

Vai à Europa em 1944 cobrir as investidas da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra. Entra com o amigo Joel Silveira em um castelo, quando um fragmento de granada passa rente a suas cabeças. Joel guarda a relíquia de guerra consigo. Braga prefere ficar só na lembrança. Na volta, escreve o livro Com a FEB na Itália. A obra o insere no rol dos escritores brasileiros e eleva a crônica a gênero literário, apesar de seus resmungos: "O cronista é um desajustado emocional."

Em 1960, funda a Editora do Autor, com Fernando Sabino. Compra uma cobertura em Ipanema, construída por Juca Chaves. Faz ali um jardim suspenso. Romãs, carambolas e pitangas se somam a flores, pássaros, sua rede e a vista do Rio de Janeiro. Vira ponto de encontro de uma turma ilustre de amigos: Clarice Lispector, Drummond, João Cabral, Otto Lara. Certa vez, um síndico recém eleito, indignado com o suntuoso jardim, indaga-lhe: "Como o senhor receberia seus vizinhos?". Braga dispara com um rosnado: "À bala".

Com Sabino e Otto, funda, em 1968, a editora Sabiá, responsável pelo lançamento no Brasil de importantes escritores latino-americanos. Em 1975, vai para a TV Globo, onde, segundo Armando Nogueira, "dá lições de língua, ensina o pessoal a escrever e escreve".

Em 1978, passa a escrever para a Revista Nacional. Na crônica Os filhos dos Torturadores, desagrada militares, que exigem a sua demissão. O chefe rebate: "O Rubem, nessa revista, pode falar mal até de mim se quiser".


Clareza do canto

É de poucos amigos, mas amigo como poucos. "Sou um homem sozinho, numa noite quieta, junto de folhagens úmidas, bebendo gravemente em honra de muitas pessoas." Sereno, quase ranzinza, sua simplicidade se revela como na leitura que faz de Freud: "Minha conclusão é muito simples. Morreu, dançou."

Participa de reuniões com ornitólogos. Tem apego ao jardim, herança do interior que repassa para as crônicas: escreve sobre pássaros, pescarias e flores. Stanislaw Ponte-Preta o chamava de "Sabiá da Crônica".

O jornalista Alberto Helena Jr. justifica: "Não apenas pela leveza de sua pena, da qual pingava sempre a gota inevitável da nostalgia, mas pela clareza de seu canto, um texto enxuto, desprovido de artifícios, porém, tocante, sobretudo, quando falava do seu assunto preferido - a falta de assunto."

Escreveu a última crônica pouco antes de ser internado no Hospital Samaritano. Morreu em 19 de dezembro de 1990, deixando, além de seu jardim suspenso, mais de 15 mil crônicas.

Além deste, encontrei milhares de textos - as más línguas dizem que ele escreveu menos de 15 mil crônicas; as boas mais de 15 mil - e bastava pegar qualquer uma, como se fosse um produto qualquer na prateleira do Supermercado, para cumprir a missão a domingueira. Ok, mas qual critério adotar ? 

Para explicar o critério,  preciso revelar algo para  vcs que há muito tempo descobri, que é  o segredo do sucesso dos grandes escritores, coisa bem simples, anotem: Construam  frases diferentes. Escrevam o óbvio por linhas tortas de forma que a frase não fique na mesmice, mas que instigue o leitor e o faça  deter-se sobre essa frase, reler e sorve-la como se fosse um bom vinho (eu confesso que ainda não consegui  escrever assim).

Assim, para justificar a escolha do texto mais abaixo, intitulado "Despedida", do mestre Rubem, as seguintes frases me tocaram profundamente:

(...) melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito...

Eles não se despediram, a vida é que os despediu...

(...) será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa...

(...) a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio...

(...) essa solidão ficou menos infeliz...


E,  para que tudo termine bem e ninguém fique triste neste belo domingo ensolarado - mentira, aqui está frio e nublado - o texto abaixo teria um perfeito final feliz se fosse encerrando com uma outra frase avulsa desse grande escritor: [então] "Tudo que nos separava,  subitamente falhou" (o "então" é por minha conta!).

Finalizando a domingueira, eu lhes proponho um exercício interessante: respondam para si mesmos quais são as sentenças que mais lhes tocaram, no texto abaixo? Se foram as mesmas que eu selecionei, seremos almas-literárias-gêmeas? Se não, isso não tem a menor importância!

Boa leitura; Bom domingo! 

Antonio Pastori


Despedida - Rubem Braga (*)

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


(*)  do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.



--
Antonio Pastori, administrador neófito da Domingueira Poética


Para ler e dançar mentalmente: "Tudo que nos separava  subitamente falhou" - Rubem Braga.

obs: O site do MPF www.trembrasil.org.br  será reformulado em breve!

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